sexta-feira, 20 de maio de 2011

E por falar em exemplo...

Meu pai faleceu com 58 anos.
Eu tinha 36. Nunca tinha pensado nessa possibilidade. Quem amamos não deveriam morrer.
Ele era uma figura.
Daquelas que não passam desapercebidas. Tinha sempre uma resposta pra tudo.
Filho de italianos, leonino, falava sem pensar. Xingava e praguejava como ninguém. 
Mas não guardava raiva. Quebrava pratos, batia portas, mas amanhã tinha esquecido.
Adorava crianças. Casou com 21 anos e com 22 já era pai. Passada a fase de colo, ele já queria outro filho. Felizmente minha mãe tinha os pés mais no chão. Mesmo assim somos em quatro.
Fazia amigos com facilidade e tinha ótima lábia pra vender... Aliás, essa era sua profissão: vendedor.
Foi bancário, é verdade, mas ter chefe e horário não era a sua praia.
Nossa vida financeira era cheia de altos e baixos.
Hora tínhamos empregada e carro (uma Kombi na verdade), outras horas minha mãe ia fazer faxina pra fora pra podermos comer. Nós não sabíamos disso.
Fazia questão de bom desempenho escolar, e apesar de quase não ter estudo, era ele que acompanhava nossas tarefas.
Inteligente e habilidoso, ajudava na confecção dos trabalhos das feiras de ciências.
Era enérgico e, num tempo sem Estatuto da Criança e do Adolescente, dava altas surras.
As vezes trocava pelo caderno de castigo.
O quê;  vc não sabe o que é caderno de castigo?
Era um caderno brochura, com as folhas numeradas em que nós tínhamos que repetir um determinado num de vezes a frase do inicio da pagina. Dependia da gravidade. Por ex.
Não devo responder pra minha mãe (sim, isso era considerado errado e grave)
Tipo o que o Bart Simpson faz na lousa.
Ele escrevia a primeira linha de cada uma das paginas que deveríamos fazer, e nós copiávamos até o final da folha. E então, no dia seguinte, qdo chegávamos da escola, primeiro a tarefa, depois o castigo e se sobrasse tempo: brincar.
Quase nunca sobrava.
Foi ele que me ensinou a andar de bicicleta.
Fazia balão e pipa com cola de farinha.
Por pior que tivesse sido seu ano, nós nunca deixamos de ganhar, no Natal, aquilo que pedíamos.
Vertiplano, bicicleta, gravador...
Porém, juízo, ele não tinha nenhum.
Cabeça quente, vivia mudando de emprego. 
Contas de água e luz viviam atrasadas, assim como o aluguel. Não tinha um ano sem corte de fornecimento. Ainda bem que não tínhamos telefone!
Parecíamos ciganos. A cada 5 ou 6 anos mudávamos. O proprietário pedia o imóvel.
Um dia, eu precisava levar dinheiro pro dentista, sabe como é!
Ele disse que não tinha, então e eu disse que não iria, pq eu já estava com vergonha de dar desculpas.
Nossa, ele ficou muuuuito bravo, e me disse que  qdo fosse maior, iria passar muita vergonha. Hoje eu imagino o quanto aquela situação o magoou.
Ele amava os netos. Conforme fomos casando ele passou a esperar os domingos com enorme ansiedade. Reunir a família em volta da mesa era seu prazer.
Aliás, comer era o outro.
Glutão, minha mãe escondia o bacon no meio das laranjas ou do alface, pra que ele não achasse, senão, qdo ia temperar o feijão, cadê?
Aliás, ser bom de garfo proporcionou a maior irresponsabilidade, combinada com originalidade, que eu já vi como dentista.
Alguns colegas conhecem esta história.
Com grave problema periodontal, um dia tivemos que extrair todos os dentes e colocar uma prótese total. Ele sofria tanto com os dentes naturais, que foi dele que eu ouvi algo que poucas vezes nós ouviremos na carreira: “Filha, se eu soubesse que era tão bom usar dentadura, tinha colocado antes.”
Como foi feita imediata, e ele achava que ir ao consultório me incomodava, resolveu por si só o problema quando ela ficou frouxa: Reembasou com DUREPOXI.
Imaginem a cena: Mistura as pastas como silicona, acomoda no palato, leva na posição, morde e espera tomar presa. Com um estilete tirou os excessos e pronto... Pode?
Ele nunca pensou no futuro e quando a idade chegou e ele se deu conta que não tinha mais a mesma energia para vender, começou a se entregar. Dizia que já tinha cumprido sua função ao criar os filhos.
Obeso, hipertenso e diabético apesar de não admitir, faleceu de infarto agudo do miocárdio, em 04/11/2000.
E o que tudo isso tem a ver com exemplos?
Ensinamos mais por exemplos que por palavras.
Sempre digo que os exemplos servem para seguirmos igual, ou completamente diferente.
Com meu pai aprendi o valor da família e dos estudos, a importância da presença paterna, do bom humor e de procurar o lado bom da vida. Faço igual ele fazia.
Por outro lado , também  por seus exemplos, decidi que nunca faltaria com os meus compromissos.
Sempre pensei em ter casa própria pra não ter que mudar feito cigano. Eu odeio dividas.
Desde o dia do dinheiro para o dentista, prometi pra mim mesma que nunca passaria vergonha por dividas.
Ele me ensinou mesmo sem perceber. Faço exatamente o oposto.
Como se não bastasse, no dia do meu casamento, ele me falou a frase que marcou definitivamente a minha vida, e me deu a segurança que eu precisava pra assumir a nova fase.
Ele me chamou num canto, antes de eu ir pro cabeleireiro, e disse:
“Minha filha, eu espero que você seja muito feliz e que seu casamento seja duradouro, mas, se algo der errado, você pode voltar para casa. Nós sempre seremos a sua família”.
Neste "Dia dos Pais" minha homenagem vai em pensamento pra ele.
É, eu realmente sou uma pessoa de sorte J

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