segunda-feira, 18 de julho de 2011

Não diminua minhas conquistas!

Nasci numa familia de classe media, numa época que isso significava algo.
Sempre estudei em escola publica, numa época que isso era bom.
Optei pela Odontologia numa dessas conspirações do Universo.
Apesar das condições financeiras da minha familia, nunca pensei em não fazer a faculdade porque era cara.
Prestei USP, mas não deu.
Então, em 1986, decidi prestar todos os vestibulares da região, em pelo menos uma eu esperava entrar.
Foram 8 : Objetivo, Metodista, Mogi, Bragança, Unicid, OSEC, USP e uma para Biologia, sempre que possível, na opção noturno, e se entrasse no matutino ou integral, tentaria transferência. Trabalharia de dia e estudaria à  noite. Simples assim. Nem tanto!
Passei na segunda lista da OSEC/UNISA, no noturno. Pronto, primeira etapa vencida.
Assistente de dentista que eu era, meu salário era 1/4 do valor da mensalidade.
Paguei a matricula com dinheiro emprestado.
Pedi bolsa de estudo na faculdade e Credito Educativo na CEF (hoje FIES).
Em junho o credito educativo foi negado. Entrei em pânico. Chorei durante um laboratório de anatomia inteiro. Toda a turma tentava me consolar. Na grande maioria, felizmente, não entendiam minha realidade.
Eu já estava com 5 mensalidades atrasadas, e ir na tesouraria pedir liberação de prova era minha rotina.
Em julho, a faculdade me concedeu bolsa de 50%. Ufa!!!
Metida que sou, propus que me quitassem o primeiro semestre total e eu pagaria o segundo integral. Eles aceitaram , e eu pude dormir algumas noites tranquilas.
Fiz novo pedido de credito e em setembro ele foi aprovado. Foram os nove meses mais longos da minha vida. Agora sim eu podia dormir. Quando sobrava tempo!
Eu trabalhava o dia todo e cursava a noite. Maravilhosas pessoas cruzaram o meu caminho e facilitaram minha vida estudantil. O patrão com intrumentais (ele me emprestou uma alta e uma baixa rotação, entre muitos outros), colegas dando carona ou transportando minha maleta pesada, facilitando assim minha ida de ônibus. Emprestimo de livros  pelos colegas que namoravam e estudavam juntos  e me cediam o outro, faziam os trabalhos de grupo e eu, sempre falante, apresentava sem ter que ir às reuniões.
Varava noites estudando, num processo contra producente. No dia seguinte trabalhava o dia todo e à noite fazia prova muito cansada. Mas era o jeito. Em períodos de provas, fazia isso por duas semanas seguidas.
Passei em anatonia e bioquimica com a menor nota possível, mas compensei em Perio e Endo.
Nunca peguei DP. Morria de medo. Afinal, meu curso era financiado e se tivesse custos extras, passaria minha vida inteira pagando.
Precisei da ajuda de outros, inclusive do meu então namorado pra ser fiador junto a CEF. Foi um dos favores mais importantes que alguém já me fez na vida. Foram 3 no total.
Um ano depois de formada, o financiamento começou a vencer. Era pouco, mas eu também ganhava pouco.
Como usei por 4 anos e meio, tive 9 anos para pagar (o dobro), mas minha estrela brilhou novamente e as mudanças no dinheiro brasileiro, defasaram minhas parcelas.Consegui vencer mais esta etapa.
Fui trabalhar para colegas, nem sempre gostando, mas...
O colega pra quem eu trabalhava enquanto estudava era especialista em endo e perio, daí minha facilidade na faculdade. Mesmo sem saber o que ele estava fazendo, eu aprendia. E muito.
Minhas boas notas renderam convites pra fazer endo para os colegas que não queriam nunca mais ver uma lima K. Eu precisava trabalhar. Fui.
Como gosto de fazer as coisas direito, me atualizei e estudei muito. Acabou que me apaixonei pela Endo. Olha o destino agindo novamente. Eu não escolhi a endo, ela me escolheu :)
Com a chegada dos filhos, senti a necessidade de montar consultorio perto de casa. 
Vendemos nosso carro (ta bom, nosso Escort!) e fizemos divida novamente.Meu marido sempre foi parceiro.
Aluguei um ponto vizinho de casa. Não tinha telefone. Minha irmã cedeu uma extensão externa da casa dela. 
Dois anos depois, vagou um prédio que meu sogro tinha alugado e eu mudei o consultório pra lá, onde estou até hoje. E pretendo continuar.
Não teve sofrimento, nem vi isso tudo passar, mas não foi fácil.
Agora, quer me ver irritadíssima é falar pra mim: "É doutora, mas a senhora pôde estudar..."
Não meu caro, "Eu quis estudar..."
Fui atrás do meu sonho. Fiquei sem dormir. Fui morar fora e casa (com parentes). Gastava todo meu salário na dental. Comia de marmita e engoli muito sapo.
Como tenho poucos hectares, minha colheita é pequena, mas hoje vivo dela.
Sou feliz e realizada.
Você pode não dizer nada, mas não diga: Você pôde. 
Diga então: Você conseguiu!!!

3 comentários:

  1. "É doutora, mas a senhora pôde estudar..."

    É bem isso. Poder você "não podia", mas foi lá e estudou. Meu pai foi o único dos 6 filhos do meu avô que fez faculdade, sem qualquer ajuda dele. Os outros não fizeram porque... "não puderam".

    Parabéns, Celia. Conhecer a sua história de vida reafirma a admiração que eu tenho por você. Beijo! :)

    ResponderExcluir
  2. Mto bom ver mulheres guerreiras como voce fortalece o sentimento de querer é poder, de lutar e conseguir...
    Parabens Celia!!!! voce conseguiu!!!
    Bjs

    ResponderExcluir
  3. Celia, querida!
    Até me emocionei com sua história linda.
    Vc é guerreira, hein? Muita gente por aí teria desistido no primeiro obstáculo.
    Adorei ler este depoimento.Exemplo para muita gente.
    Parabéns!
    bj grande

    ResponderExcluir